Ainda criança com 13 anos, inocente e com a puberdade tardia, crescendo em uma cidade tradicionalista no Sul do país. Sem ter contato algum fora da bolha que minha família me colocou, entendo que por proteção, pois eles desde cedo sabiam que eu era diferente dos meus dois irmãos.
Já havia ouvido insultos antes de outras crianças me chamando de marica, menininha ou algo assim. Mas naquele ano em que eu tive que mudar de escola, porque o ônibus escolar não me levaria mais pra escola que eu estudava antes, não havia celulares, perdi total contato com os amigos e colegas que havia feito, e entrei em um novo mundo, tentando fazer amigos, mas eu era diferente, e não entendia a razão pela qual ninguém queria ser meu amigo, até o bulling começar.
E começou com agressão física partindo de outros meninos, me intimidando a mostrar masculinidade e partir para a briga, eu era menor, mais fraco e medroso, o que eu faria a não ser me esconder?
Mas como se isso não bastasse, a forma de me atormentar passou a ser recorrente, grupos de meninos me ameaçavam constantemente, eu alertei meus pais, e o conselho deles foi, “eu não tenho tempo pra isso, se vire”. A forma que eu arrumei foi não sair da sala de aula em hipótese alguma, nem mesmo para ir ao banheiro. Mas haviam meninos dentro da minha sala, os quais não me agrediam enquanto eu fazia a lição de casa para eles, porém em algum momento isso seria um problema, afinal o hetero cis têm de provar sua masculinidade de alguma forma, seja ela batendo ou fazendo alguma piadinha escrota, daí surgiu um apelido “olha a bonequinha, a barbie, não barbie é mais macho que ele, ele tem mais cara de Susi”.
Susi passou a ser o mair insulto que eu poderia receber, até mesmo alguns professores tiveram a audácia de rir enquanto os colegas faziam piada de mim, um até mesmo me chamou de susi fazendo a chamada, a diretora do colégio a qual me atendeu fumando dentro de sua sala, afogou-se com sua própria risada grossa e cuspindo nicotina ao rir quando falei que estava sendo ofendido pelos colegas.
Tentei revidar várias vezes, mas só era pior, era eu contra um colégio inteiro, que passava na janela gritando “susi, susi, susi” enquanto eu tentava me esconder do mundo. O inferno que eu vivia todo dia parecia não ter fim, e as formas de me insultar pareciam não parar de ganhar força, até que um dia eu entrei dentro do ônibus escolar, todas as crianças já estavam lá dentro, prontas para cantar “luz na passarela que lá vem ela, é a susi deixa ela entrar”. Todos riam inclusive o motorista. Eu chorei tanto e ao chegar em casa me ajoelhei pedido por favor à minha mãe, para que ela me mudasse de escola, o que ela fez disse, NÃO, é claro, no outro dia de manhã eu não havia dormido, havia chorado a noite toda, minha mãe me arrancou da cama aos tapas e me obrigou a ir para a escola. Eu passei a chorar dia após dia contando os dias para acabar o ano letivo. Me escondi de todos de todas as formas que eu pude durante meus 3 anos no ensino médio, até que finalmente todos haviam me esquecido.
Esse trauma segurou a minha aceitação como homem gay por muitos anos, eu passei a pensar, como vou assumir se sofri tudo aquilo como criança, sem ao menos saber o que era isso, não quero sofrer novamente. Eu não cuidava da minha aparência para não atrair nem homens nem mulheres, eu só queria que ninguém lembrasse de mim, isso me prejudicou por muitos anos.
Pensei em me atirar debaixo de um caminhão enquanto andava de moto e pensava qual era o sentido de viver. Felizmente algo me segurou e eu decidi que iria viver minha vida da forma que eu deveria viver. Passei a cuidar da minha aparência, usando as roupas que eu queria usar, nada queer, mas uma calça skinny em uma cidade do interior já incomoda os olhares julgadores, passei a tratar os julgamentos como NADA, e comecei a me explorar, tive minha primeira relação sexual gay com quase 24 anos, 4 anos depois saí de lá para o mundo, vivi todas as experiências que tive vontade e depois dos 30 finalmente tomei coragem de contar para minha família.
Agora eu já estava preparado, ou pensava que sim, tive aceitação imediata do meu pai, mas minha mãe não, sofri bastante com a forma que ela passou a me tratar, mas fui firme e não me deixei abalar, hoje nossa relação já melhorou muito, tem muito para acontecer ainda atéela me aceitar de verdade.
Susi foi algo que me calou por muito tempo, mas hoje o Fernando aqui não tem medo de viver e de ser feliz.
Quantas crianças ainda sofrem bulling nas escolas, em casa, na vizinhança, sem um lugar seguro nem mesmo para se esconder, quantas dessas crianças são bonecas largadas no mundo sem uma caixa para ficar dentro para ter alguma proteção, ou as que querem sair e estão presas por arames em seus braços.
Por favor professores, a responsabilidade de vocês com as vidas que estão formando é imensa, deixem seus tradicionalismos, religiões e preconceitos longe das escolas.