Viver sem medo…Ou quase

Descobri-me bissexual aos 14 anos, mas é aos 19 em que estou descobrindo que a tolerância é bem mais limitada do que eu imaginava. Criei expectativas, principalmente, em torno de minha família. Achei que seu amor por mim anularia qualquer preconceito, que eu e minha namorada seríamos acolhidas. Mas o que meu pai me disse quando anunciei meu namoro? Não recebi felicidades, mas avisos para ter cautela, não me exibir. Traduza-se: não dar pinta. Discrição. Fiquei feliz quando minha avó convidou minha namorada para o aniversário do meu avô, eu e minha namorada sabíamos que não era todo casal sapatão que tinha essa possibilidade. Mas, apesar de ela frequentar minha casa, acha que meus pais não nos aprovam, no fundo. Quero acreditar que não é isso, mas sei que pode ser verdade. Às vezes me pergunto se eles só estão esperando que essa minha loucura acabe e eu conheça algum menino legal, e isso tudo fique no passado. Mas eu sou loucamente apaixonada por aquela mulher, e se é uma loucura, é a melhor que eu terei na minha vida.
Enquanto eu enfrentei o que entendi como uma rejeição implícita de meus pais, minha sogra me acolheu como uma segunda mãe. A ela pude confessar tudo que não pude aos meus pais. E pensar, também, que a intolerância não está só na expulsão de casa. Está na falta de apoio, na falta de proteção. Hoje sou professora, e falar de sexualidade, ainda mais homossexualidade, é um tabu enorme. Você corre risco de comprar briga com os pais preconceituosos, que acreditam que seus filhinhos serão corrompidos ao saber da existência dos LGBT. De um professor gay, já cheguei a receber a orientação de desviar do assunto quando crianças comentam sobre o que é ser gay e lésbica. Meu deus, como desviar? Isso existe e elas sabem! Se nós, LGBTs não nos protegermos entre nós, quase ninguém vai. E aí, como você tem coragem de dizer que eu sou a única responsável pela minha proteção? Dizer para eu me esconder é a mesma coisa que pedir para que eu viva à sombra das pessoas que podem exibir seus afetos porque isso não acarreta perigo a elas. E eu quero, com a minha vivência, dizer que estamos presentes. Nós existimos não só na tv, como celebridades extravagantes, ou nas notícias, como vítimas. Quero postar foto, quero falar da minha namorada, quero viver sem reservas. Sei que é um risco, mas não aceitarei mais ser coagida. É uma promessa que eu faço para mim, mas sabendo que provavelmente a quebrarei. Não é fácil.
Encontrei, também, lugares de amizade, como a universidade e movimentos sociais. Já pude dizer na aula que assisti o filme recomendado para a aula junto com a minha namorada e expor as discussões que tivemos em torno. Nos movimentos, nos apresentamos como casal – e conhecemos mais casais LGBT. Eu quero estar cada vez mais entre pessoas assim. E também presente, existente, em lugares que dizem para eu me esconder. Ainda tenho medos e inseguranças. Mas elas vão me controlar cada vez menos.

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